Este artigo foi publicado inicialmente na edição de 18 de Fevereiro da newsletter do Dissonância Cognitiva. Se não quiser perder os artigos em primeira mão, e sugestões de conteúdos da área da psicologia do consumidor, subscreva a newsletter em http://news.bribeiro.eu
O Super Bowl, o grande evento desportivo dos EUA, decorreu no passado dia 7 de Fevereiro. Para quem não segue a NFL, venceram os Tampa Bay Buccaneers, equipa liderada pelo veterano Tom Brady. Em paralelo com o jogo decorreu o evento anual mais esperado do mundo da publicidade: a batalha entre marcas para conquistar o título de melhor anúncio do Super Bowl 2021.
Com um preço médio de $5.6 milhões por um anúncio de 30 segundos – a que se tem de somar o custo de produção do anúncio em si – a aposta das marcas num único evento parece um desperdício de dinheiro, sobretudo quando a tendência tem sido uma crescente aposta no online em detrimento da TV e outros meios. Todas as previsões apontam para que já em 2022 o valor investido na publicidade online supere o investimento em TV pela primeira vez. Ainda assim, o preço de um anúncio de 30 segundos durante o Super Bowl tem aumentado, passando de $2.3 milhões em 2002, até aos actuais $5.6 milhões.
O sucesso do Super Bowl, enquanto veículo publicitário, numa era em que o investimento em TV tem decaído, deve-se à capacidade da NFL em ter transformado um simples jogo, embora o jogo do título, em mais do que um evento desportivo. O Super Bowl é um evento cultural e social para os norte-americanos, muito graças aos esforços da liga em tornar o evento num momento de celebração dos EUA.
Desde o flyover realizado por aviões da Força Área antes do jogo (introduzido em 1967 pelo então Comissário da NFL Pete Rozelle, veterano da II Guerra Mundial), ao espectáculo durante o intervalo, que apresenta sempre os maiores nomes da música mundial, tudo em torno do jogo é criado e desenvolvido para apelar a uma união cultural entre os espectadores. Depois há as rivalidades inerentes entre as equipas finalistas, cada uma delas campeã da respectiva conferência.
A criação deste fenómeno de cultura Americana, tornou o Super Bowl num sucesso televisivo, o que por sua vez atraiu a indústria da publicidade. O jogo deste ano foi visto por cerca de 96.4 milhões de espectadores nos EUA, uma audiência gigantesca apesar de ser a mais baixa desde 2007. De facto, 8 dos 10 programas mais vistos na televisão dos EUA de sempre, são jogos do Super Bowl. Apenas a chegada à Lua da Apolo 11 e o discurso de demissão de Richard Nixon conseguem ombrear com o jogo final da NFL.
Apesar destes números impressionantes, o Super Bowl não é de todo o evento desportivo mais visto a nível mundial. Apesar de ser transmitido em cerca de 180 países, o número de espectadores total em todo o globo ronda os 160 milhões, menos de metade dos 380 milhões que anualmente assistem à final da Champions League em mais de 200 países, ou os cerca de 500 milhões que assistiram às finais do Euro 2016 entre Portugal e França e do Mundial 2018 entre França e Croácia. No entanto, o Super Bowl tem a vantagem de concentrar 100 milhões de espectadores num único país, com uma cultura e língua partilhada, em torno de um único canal de televisão, o que, do ponto de vista da publicidade, é uma vantagem clara.
Não foi apenas a capacidade de atrair uma audiência alargada que tornou o Super Bowl no evento televisivo do ano para a indústria da publicidade. A sua componente cultural e social, que transporta o jogo para lá da transmissão e do fenómeno desportivo, é a principal responsável por este fenómeno.
A NFL soube promover ao longo dos anos a capacidade do jogo servir como momento de reunião e confraternização entre famílias e amigos, de tal forma que há mesmo quem defenda que o dia seguinte ao jogo deva ser considerado feriado nacional. O fim-de-semana do jogo é marcado (este ano menos devido à pandemia) por festas de visualização do jogo, em que grupos de conhecidos (alguns dos quais não acompanham a competição ao longo do ano) se reúnem para ver o jogo, e, mais estranhamente, os anúncios.
Nenhum outro evento televisivo teve a capacidade de criar entusiasmo pelos intervalos comerciais como o Super Bowl. Este é um fenómeno único em que os anúncios são tão esperados pelos espectadores com o próprio programa, e para algumas pessoas, os anúncios são mesmo a parte mais aguardada da transmissão.
Há um verdadeiro campeonanto de anúncios a decorrer em paralelo com o jogo, com análises e rankings feitos por múltiplas fontes, em que os espectadores participam elegendo os seus anúncios favoritos, e, no processo, contribuindo para a sua divulgação. Um fenómeno exacerbado com o advento das redes sociais, que adicionam aos perto de 100 milhões de espectadores do jogo, outras tantas dezenas de milhões nos canais online.
Essa é uma das grandes vantagens do Super Bowl: o prolongar o tempo de vida de um anúncio para lá do intervalo comercial durante o qual foi transmitido. Esta capacidade de gerar conversas em torno dos anúncios e das marcas, permitiu a um maior arrojo no desenvolvimento de anúncios, optimizados para ir além do convencer à compra ou ao reconhecimento da marca.
Passaram a ser anúncios para ser vistos, falados, discutidos e transformados em referências culturais. O anúncio que realmente elevou o Super Bowl a evento publicitário do ano foi o icónico “1984” da Apple, dirigido por Ridley Scott. Um anúncio apresentado uma única vez, num dos intervalos do Super Bowl, e que quase chegou a ser “engavetado”.
Foi a capacidade de reinventar o jogo como um momento cultural de cariz patriótico, que permitiu à NFL transformar o Super Bowl num evento de massas e, com isso, cativar a indústria da publicidade que viu no jogo uma possibilidade de fazer chegar as suas mensagens a uma audiência gigantesca, bem como, graças ao arrojo e atrevimento de marcas com a Noxcema e a Apple, criar anúncios icónicos capazes de se tornarem eles mesmos nas estrelas do espectáculo.