A Paixão pelo iPhone: Neuromarketing Feito às 3 Pancadas no NY Times

Se alguém lhe disser que estudos científicos demonstraram que você está apaixonado pelo seu iPhone, não fique surpreendido – e já agora duvide. Provavelmente esse alguém leu um artigo de opinião no New York Times escrito por Martin Lindstrom que defende que os utilizadores de iPhone não são viciados no telemóvel da Apple; estão “literalmente apaixonados” pelo seu iPhone.

A evidência de Lindstrom é um estudo que realizou, recorrendo a ressonância magnética funcional (fMRI), que demonstrou que, de acordo com a sua interpretação, os utilizadores demonstram um padrão de actividade cerebral quando vêem ou ouvem um iPhone similar ao exibido quando vêem uma pessoa que amam:

Earlier this year, I carried out an fMRI experiment to find out whether iPhones were really, truly addictive, no less so than alcohol, cocaine, shopping or video games. In conjunction with the San Diego-based firm MindSign Neuromarketing, I enlisted eight men and eight women between the ages of 18 and 25. Our 16 subjects were exposed separately to audio and to video of a ringing and vibrating iPhone.

In each instance, the results showed activation in both the audio and visual cortices of the subjects’ brains. In other words, when they were exposed to the video, our subjects’ brains didn’t just see the vibrating iPhone, they “heard” it, too; and when they were exposed to the audio, they also “saw” it. This powerful cross-sensory phenomenon is known as synesthesia.

But most striking of all was the flurry of activation in the insular cortex of the brain, which is associated with feelings of love and compassion. The subjects’ brains responded to the sound of their phones as they would respond to the presence or proximity of a girlfriend, boyfriend or family member.

In short, the subjects didn’t demonstrate the classic brain-based signs of addiction. Instead, they loved their iPhones.

Rapidamente este artigo de opinião se tornou um dos mais lidos e partilhados do dia. O que não era difícil de prever tendo em conta que abordava um tema altamente apelativo, ainda para mais apenas alguns dias do que na altura se esperava ser o anúncio do lançamento de uma nova versão do iPhone. O título provocativo também ajudou ao sucesso do artigo. Quem ler o artigo sem ter conhecimentos aprofundados da área, não tem motivos para duvidar da veracidade das afirmações de Lindstrom. Pelo contrário, tem motivos sim para acreditar no que é dito: (1) é um artigo que surge num jornal conceituado e de elevada credibilidade; (2) escrito por alguém que é reconhecido como um especialista na área de marketing e que escreveu recentemente um livro de sucesso precisamente sobre neuromarketing; (3) porque utiliza jargão técnico da área das neurociências que ajuda a elevar a credibilidade do artigo. O problema é que o artigo tem várias imprecisões e os dados que Lindstrom aponta como sendo prova de que realmente os utilizadores estão apaixonados pelo seu iPhone, não demonstram isso na realidade.

Estas mesmas imprecisões foram rapidamente apontadas e colocadas a nu por vários neurocientistas que não pouparam críticas quer a Lindstrom, quer ao NY Times por permitir a publicação do artigo sem verificar se aquilo que ali é afirmado tem sustento científico. Um desses críticos foi Russ Poldrack que escreveu o seguinte no seu blog:

Insular cortex may well be associated with feelings of love and compassion, but this hardly proves that we are in love with our iPhones. In Tal Yarkoni’s recent paper in Nature Methods, we found that the anterior insula was one of the most highly activated part of the brain, showing activation in nearly 1/3 of all imaging studies! Further, the well-known studies of love by Helen Fisher and colleagues don’t even show activation in the insula related to love, but instead in classic reward system areas. So far as I can tell, this particular reverse inference was simply fabricated from whole cloth. I would have hoped that the NY Times would have learned its lesson from the last episode.

Tal Yarkoni, cujo artigo científico é citado no post de Russ Poldrack, também utilizou o seu blog para criticar o artigo de Lindstrom:

In fact, to account for Lindstrom’s findings, you don’t have to appeal to love or addiction at all. There’s a much simpler way to explain why seeing or hearing an iPhone might elicit insula activation. For most people, the onset of visual or auditory stimulation is a salient event that causes redirection of attention to the stimulated channel. I’d be pretty surprised, actually, if you could present any picture or sound to participants in an fMRI scanner and not elicit robust insula activity. Orienting and sustaining attention to salient things seems to be a big part of what the anterior insula is doing (whether or not that’s ultimately its ‘core’ function). So the most appropriate conclusion to draw from the fact that viewing iPhone pictures produces increased insula activity is something vague like “people are paying more attention to iPhones”, or “iPhones are particularly salient and interesting objects to humans living in 2011.” Not something like “no, really, you love your iPhone!”

In sum, the NYT screwed up. Lindstrom appears to have a habit of making overblown claims about neuroimaging evidence, so it’s not surprising he would write this type of piece; but the NYT editorial staff is supposedly there to filter out precisely this kind of pseudoscientific advertorial. And they screwed up.

O resultado destas críticas foi a escrita de uma carta ao editor do NY Times assinada por 44 neurocientistas onde se critica o artigo e a decisão do NY Times de o publicar. Esta carta foi publicada, embora não na sua extensão original que pode ser vista aqui. Apesar desta carta a criticar o estudo e a afirmar que o mesmo se sustenta em factos não comprovados, ou melhor, na interpretação inadequada dos dados existentes, a verdade é que o artigo original teve uma repercussão muito maior e dificilmente quem o leu irá ler as críticas que lhe são dirigidas.

O crescente desenvolvimento do conhecimento adquirido na área das neurociências e ciências do comportamento, tem levado a que esse mesmo conhecimento e as metodologias que permitiram obtê-lo seja aplicado a outras áreas como a nível legal ou do marketing. Neste último caso esta aplicação deu origem ao que se designa por neuromarketing, um termo cuja popularidade tem vindo a crescer nos últimos anos. Os princípios do neuromarketing passam pela aplicação de metodologias como electroencefalografia, ressonância magnética funcional, eyetracking, ou electrofisiologia à pesquisa de mercado com o objectivo de melhor conhecer as atitudes e emoções dos consumidores.

Tendo em conta que grande parte das decisões dos seres humanos ocorrem a um nível não-consciente (o que é diferente de inconsciente ou irracional), os métodos tradicionais de pesquisa de mercado – sondagens de opinião e focus groups – não conseguem captar esta informação. É por isso fácil de perceber o apelo que a aplicação dos princípios das neurociências à área do marketing, e também o porquê de esta ser uma área de elevado potencial. Desde que essa aplicação seja bem feita e interpretada correctamente. Preferencialmente por pessoas que tenham os conhecimentos necessários ao nível de aplicação e da interpretação dos dados. Isto porque do mesmo modo que este é um campo de elevado potencial prático, também é um campo com elevado potencial para descambar para a pseudocientificidade com a apresentação de dados de qualidade duvidosa. Como é o caso deste artigo de Lindstrom. Em termos práticos, este tipo de artigos conseguem aumentar a publicidade e o hype em torno do ramo a curto prazo garantido exposição mediática. Mas a longo prazo mais não fazem do que prejudicar a imagem do ramo junto do mercado.

Lista de artigos críticos do artigo de opinião escrito por Martin Lindstrom:

Bónus: post de Tal Yarkoni com um resumo das críticas e a resposta de Martin Lindstrom

 
Disclaimer: sou um dos sócios-fundadores da ANR – Applied Neurobehavioural Research, Lda. uma start-up que fornece serviços de aplicação do conhecimento e metodologias das neurociências e ciências do comportamento às áreas clínica, da optimização de performance, e do marketing.

Imagem: Her 8gb iphone love, by Garrette

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